São doenças que têm como traço comum de importância epidemiológica a transmissão durante a atividade sexual.
As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) estão entre os problemas de saúde pública mais comuns em todo o mundo. Nos países industrializados ocorre um novo caso de DST em cada 100 pessoas por ano, e nos países em desenvolvimento, as DST estão entre as 5 principais causas de procura por serviços de saúde (OMS-1990).

Segundo a Organização Mundial de Saúde, ocorrem no Brasil cerca de 12 milhões de DST ao ano. Como a notificação dos casos de DST não é compulsória e como cerca de 70% das pessoas com alguma doença sexualmente transmissível buscam tratamento em farmácias, o número de casos notificados fica muito abaixo da estimativa da OMS, cerca de 200 mil casos/ano.

Os princípios básicos para o controle das DST, como em qualquer processo de controle de epidemias, são os seguintes:

  • Interromper a cadeia de transmissão: atuando objetivamente nos “elos” que formam essa corrente, ou seja, detectando precocemente os casos, tratando-os, e a seus parceiros, adequada e oportunamente.
  • Prevenir novas ocorrências: por meio de aconselhamento específico, durante o qual as orientações sejam discutidas conjuntamente, favorecendo a compreensão e o seguimento das prescrições médicas e contribuindo de forma mais efetiva para a adoção de práticas sexuais mais seguras.


CLASSIFICAÇÃO

Segundo Pereira Jr. e Serruya, as doenças sexualmente transmissíveis (DST) são classificadas em:

  • Doenças essencialmente transmitidas por contágio sexual: sífilis, gonorréia, cancro mole, linfogranuloma venéreo e uretrite por Chlamydia sp.
  • Doenças freqüentemente transmitidas por contágio sexual: AIDS, donovanose, uretrites não-gonocócicas e não-clamídicas, herpes simples genital, condiloma acuminado, candidíase genital, fitiríase e hepatite tipo B.
  • Doenças eventualmente transmitidas por contágio sexual: molusco contagioso, pediculose, escabiose, shigelose, amebíase e hepatite tipo A e tipo C.

 

SÍFILIS

Sífilis é uma doença sexualmente transmissível causada pela espiroquetaTreponema pallidum.
 
ETIOPATOGENIA
Causada pela bactériaTreponema pallidum, patógeno exclusivo do ser humano. É destruído pelo calor e falta de umidade, não resiste muito tempo fora do seu ambiente (26 horas).
A transmissão se dá pela penetração dos treponemas através das membranas mucosas ou  microfissuras na pele.

As principais vias de contaminação são o contato sexual, transmissão vertical da mãe para o feto (intraútero), transfusão sanguínea e, ocasionalmente, por feridas de pele contaminadas. Transmissão através de objetos e assentos sanitários é praticamente nula pela labilidade do treponema que morre quando seco ou exposto a desinfetantes. A transmissão ocorre, quase exclusivamente pelo contato direto com lesões infectadas.

Classificada em sífilis congênita, quando a transmissão é vertical de mãe pra filho e sífilis adquirida, englobando as outras formas de contágio, sendo a forma sexual, a principal via de transmissão da doença.
 
EPIDEMIOLOGIA
Doença muito prevalente no passado, teve redução considerável após introdução da penicilina. Recentemente vem mostrando incremento nas estatísticas, talvez relacionada a imunodeficiência humana causada pelo vírus HIV. A OMS estima em 340 milhões o número de casos novos de DST curáveis (estando a sífilis incluídas nesses números).
Atinge principalmente homens, com pico de incidência em  idade sexual ativa, principalmente dos 15 aos 40 anos.
 
QUADRO CLÍNICO
Tem uma vasta gama de apresentações clínicas, usualmente chamada de “grande simuladora”, pela capacidade de imitar e/ou se confundir com outras doenças. Caso não seja tratada, evolui em estágios progressivos: primária, secundária, latente e terciária.
Na sífilis adquirida, o Treponema penetra na membrana mucosa íntegra e dentro de algumas horas, invade vasos linfáticos e sanguíneos para produzir infecção sistêmica. O tempo de incubação entre a contaminação e aparecimento da lesão primária no sítio da infecção gira em torno de 3 semanas, podendo variar de 10 a 90 dias.

O sistema nervoso central é precocemente invadido na infecção. Os estudos mostram que na sífilis secundária 30% dos pacientes têm alteração no liquor. Porém, em mais de 70% dos casos o treponema desaparece do líquor, mesmo sem tratamento. Quando a infecção persiste após os primeiros 5 a 10 anos, após infecção primária não tratada, a doença pode envolver meninges e vasos sanguíneos, resultando em neurossífilis meningovascular. Mais tardiamente, o cérebro e a medula espinhal podem ser acometidos, dando origem a neurossífilis parenquimatosa.

A sífilis primária é caracterizada pelo desenvolvimento de lesão única, ulcerada e indolor, chamada de cancro duro ou protossifiloma, no sítio da inoculação, após um período de incubação de 3 a 6 semanas. A lesão tem bordas laminadas, fundo limpo e é altamente contagiosa. Tratada ou não, a lesão desaparecerá em 3 a 12 semanas com provável fibrose residual.

Sífilis secundária usualmente se desenvolve 4 a 10 semanas após o aparecimento do cancro primário. Durante esse estágio, as espiroquetas se multiplicam, e entram na circulação pela corrente sanguínea, correspondendo a fase de disseminação hematogênica da espiroqueta pelo corpo. As lesões secundárias são muito variáveis em suas manifestações. Sintomas sistêmicos incluem febre, moleza, mialgia, artralgia, linfadenopatia e rash.

Lesões mucocutâneas generalizadas são observadas por todo corpo, e podem envolver palmas, plantas e mucosas orais. Na maioria das vezes as lesões são maculares, eritematosas, discretas, mas podem ser pustulosas, anulares ou descamativas. Todas as lesões contêm treponemas, e as leões de mucosas contém carga mais alta.

Pode apresentar-se sob a forma de:

  • Roséola sifilítica: máculas eritematosas semelhantes a um rash morbiliforme, que desaparece espontaneamente.
  • Pápulas: eritamatosas, pálidas distribuídas pelo corpo, com discreta descamação na periferia, chamado “colarete de Biet”.  Em alguns casos, a descamação pode ser mais intensa, adquirindo aspecto psoriasiforme.
  • Lesões palmo-plantares eritematosas com a descamação característica de Biet.
  • Sifílide elegante: típica de negros, onde as lesões adquirem aspecto anular ou circinado.
  • Condiloma plano ou  latum são lesões esbranquiçadas,  altamente infecciosas, que se desenvolvem em locais quentes e úmidos, especialmente região inguinal.
  • Placas mucosas: lesões vegetantes, esbranquiçadas em mucosa oral, sobre base erosada.
  • Alopecia em “clareira”: se apresenta por perda desigual dos cabelos, tipo “ninho de rato” ou “roído de traças”,  mais acentuada em região temporoparietal e occipital. Pode ocorrer perda de cílios e perda no terço distal das sobrancelhas.

A fase secundária evolui no primeiro e segundo ano da doença com novos surtos que regridem  espontaneamente entremeados por períodos de latência cada vez mais duradouros.

Durante a sífilis secundária, a reação imune está no pico e os títulos de anticorpos já estão elevados.
 

Sífilis latente surge após as lesões da sífilis secundária terem se resolvido, apesar da sorologia permanecer positiva. A maioria dos pacientes se manterá na fase latente de forma assintomática, enquanto cerca de 30% evoluirão para sífilis terciária.

Sifilis terciária é rara e quando ocorre, afeta principalmente pele,  sistema cardiovascular (80 a 85%) e sistema nervoso central (10 a 15%). Pode apresentar-se como sífilis gomosa, túbero-circinada, neurossifilis ou sífilis cardiovascular.

A sífilis gomosa é caracterizada por lesões granulomatosas, chamadas “gomas”, caracterizadas por centro necrosado e textura semelhante a borracha. Podem afetar qualquer órgão, principalmente fígado, ossos e testículos. Raramente treponemas são identificados nessas lesões e o que caracteriza essa fase, é a ausência quase total de treponemas.

Sifilis cardiovascular surge pelo menos 10 a 30 anos após a infecção primária. As manifestações mais comuns são aneurismas de aorta ascendente pela destruição inflamatória crônica da vasa vasorum.

Já a neurossífilis, ocorre pela invasão do sistema nervoso central pelas espiroquetas, gerando um quadro inflamatório de meningite. A meningite sifilítica é a manifestação nervosa mais precoce, podendo surgir até 6 meses após a infecção primária, mas desaparece em mais 70% dos casos, mesmo sem tratamento. É chamada neurossífilis assintomática quando apresenta alterações unicamente no líquor, sem sintoma algum, podendo ou não evoluir para um quadro de neurossífilis na fase terciária.  O líquor evidencia hiperproteinemia, consumo de glicose, aumento de linfócitos e sua sorologia é positiva. A neurosífilis pode se apresentar também na forma parenquimatosa, podendo dar origem ao tabes dorsalis, que envolve as colunas posteriores e raízes dorsais da medula espinhal. O resultado é marcha com base alargada, e propriocepção sensitiva e vibratória prejudicadas. A agressão pode progredir e gerar até uma paralisia geral.

 
DIAGNÓSTICO

Na fase primária o diagnóstico só pode ser confirmado por exame direto: pesquisa de campo escuro (exame direto da linfa da lesão que deve visualizar o treponema vivo) ou imunoflorescência direta, com sensibilidade maior que 90%.

A utilização da sorologia só pode ser feita a partir da segunda ou terceira semana após o aparecimento do cancro, época de aparecimento dos anticorpos.

O treponema induz formação de 2 tipos de anticorpos: anticorpos inespecíficos contra as cardiolipinas, que positivam os testes não treponêmicos, utilizados para rastreio e formação de anticorpos específicos contra o Treponema pallidum, utilizados para confirmação diagnóstica.

  • Testes não treponêmicos (VDRL e RPR): Positivam 2 a 3 semanas após o aparecimento do cancro, estando muitas vezes negativos na fase primária. Na sífilis secundária, seus títulos estão elevados, voltando a cair na fase latente e terciária com o passar do tempo. Como não são específicos para o treponema, outras coisas condições podem positivar o VDRL, como gravidez, hansen, tuberculose, mononucleose, lúpus, dentre outras. Os títulos nessas situações normalmente são baixos, nos casos de sífilis usualmente maiores que 1/16.
    Em raros casos (1 a 2%), em que os títulos de anticoporpos estão extremamente elevados na sífilis secundária, pode haver resultado falso-negativo do teste, chamado efeito prozona. Nesses casos, o resultado é corrigido diluindo-se o soro do paciente.
    Uma nova opção de sorologia não treponêmica mais rápida que o VDRL é o RPR, que possibilita resultado em até 60  minutos, dispensando os equipamentos convencionais de laboratório, mas não tão quantificável como o VDRL, que tem ótima finalidade para controle de cura pela variação dos títulos de anticorpos.
     
  • Testes treponêmicos (FTA-ABS, TPHA, MHA-TP e Western blot): São utilizados para confirmação e para os casos que os testes não treponêmicos tem baixa sensibilidade, em especial nos casos de sífilis latente e terciária.
    Positivam um pouco antes do testes não treponêmicos e podem permanecem assim pelo resto da vida.
    LCR deve ser solicitado a todo paciente que tenha sorologia positiva e sintomas neurais ou que após tratamento correto mantenha títulos elevados. Nenhum teste sorológico porém é capaz de confirmar a neurossífilis. Deve ser suspeitada em pacientes com sorologia positiva e LCR com aumento de proteínas e celularidade. VDRL é o exame recomendado par ser feito no líquors.

  
TRATAMENTO

A sífilis  deve ser tratada com penicilina.